terça-feira, 15 de maio de 2007

Algumas palavras duras, em voz mansa, te golpearam. Nunca, nunca cicatrizam.


Vamos, não chores.
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis carro, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.

Não é sina, não é fado. Nem sempre a senti assim


Segredos Meus


Esta tristeza que trago,
Bem fundo dentro de mim,


Vida de logro e mentira,
Em que momento ou idade
Foi o que antes sentira,
Quando era felicidade?

Sozinha pela multidão,
Escapo do meu tormento,
Voando alto o pensamento.

Menos só, na solidão.
Descontente, no vazio
Desta vida amargurada,
A escrita é como um rio;

Minha pena é ilibada.
Na prisão do meu viver,
Privada de escolha sou.
Livre é apenas o querer,
À vida com que me dou.


Foram-se os amores que tive ou me tiveram


Canção da Mirada Secreta
Lya Luft


Foram-se os amores que tive ou me tiveram.
Partiram num cortejo silencioso e iluminado.
A solidão me ensina a não acreditar na morte
nem demais na vida: cultivo segredos num jardim
onde estamos eu, o s sonhos idos, os velhos amores
e os seus recados, e os olhos deles que ainda brilham
como pedras de cor entre as raizes.


Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil


Retrato
Cecília Meireles


Eu não tinha este rosto de hoje,

assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?

terça-feira, 8 de maio de 2007

Amar o perdido deixa confundido este coração



Memória
Carlos Drummond de Andrade


Amar o perdido
Deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se sensíveis
á palma da mão.
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.


Ouvir a noite imensa mais profunda sem ela


POEMA 20
Pablo Neruda


Posso escrever os versos mais tristes esta noite
Escrever por exemplo:
A noite está fria e tiritam, azuis, os astros à distância
Gira o vento da noite pelo céu e canta
Posso escrever os versos mais tristes esta noite

Eu a quiz e por vezes ela também me quiz
Em noites como esta, apertei-a em meus braços
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito

Ela me quiz e as vezes eu também a queria
Como não ter amado seus grandes olhos fixos ?
Posso escrever os versos mais lindos esta noite
Pensar que não a tenho
Sentir que já a perdi

Ouvir a noite imensa mais profunda sem ela
E cai o verso na alma como orvalho no trigo
Que importa se não pode o meu amor guardá-la ?
A noite está estrelada e ela não está comigo
Isso é tudo

A distância alguém canta. A distância
Minha alma se exaspera por havê-la perdido
Para tê-la mais perto meu olhar a procura
Meu coração procura-a, ela não está comigo
A mesma noite faz brancas as mesmas árvores
Já não somos os mesmos que antes havíamos sido

Já não a quero, é certo
Porém quanto a queria !
A minha voz no vento ia tocar-lhe o ouvido
De outro. será de outro
Como antes de meus beijos
Sua voz, seu corpo claro, seus olhos infinitos

Já não a quero, é certo,
Porém talvez a queira
Ah ! é tão curto o amor, tão demorado o olvido
Porque em noites como esta
Eu a apertei em meus braços,

Minha alma se exaspera por havê-la perdido
Mesmo que seja a última esta dor que ela me causa
E estes versos os últimos que eu lhe tenha escrito.